A vida de Mário Soares foi um combate incansável pela liberdade e uma luta incessante pela democracia, esforços que lhe foram indistintos da defesa dos direitos humanos, da paz e da solidariedade entre os povos, bem como do progresso social e económico e do respeito ambiental e ecológico.
Figura maior da democracia portuguesa, Mário Soares nasceu em Lisboa, a 7 de dezembro de 1924, no seio de uma família republicano-liberal, filho de João Lopes Soares e de Elisa Nobre Baptista. Licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas, em 1951, e em Direito, em 1957. Em 22 de fevereiro de 1949, casou com Maria de Jesus Barroso (1925-2015), por procuração, por se encontrar preso na cadeia do Aljube. Do casal nasceram dois filhos: João (n. 1949) e Isabel (n. 1951).
Moldado por uma educação cívica liberal, republicana e democrática, Soares assumiu desde cedo um intenso combate político contra a ditadura. Ainda na universidade, aderiu ao Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF), em 1943, e ao Partido Comunista Português (PCP), em 1944. Foi membro da Comissão Central do Movimento de Unidade Democrática (MUD), tendo sido um dos fundadores do MUD Juvenil.
Foi autor e subscritor de importantes documentos de contestação ao Estado Novo. Como representante da Resistência Republicana, foi membro do Directório Democrato-Social, dirigido por republicanos como António Sérgio, Jaime Cortesão e Mário de Azevedo Gomes. Participou ativamente nas candidaturas dos generais Norton de Matos e Humberto Delgado à Presidência da República, momentos que abalaram o regime.
Enquanto advogado, levou a luta pela liberdade para a barra dos tribunais, defendendo inúmeros presos políticos. Na qualidade de advogado da família de Humberto Delgado, contribuiu decisivamente para desvendar as circunstâncias do seu assassínio e denunciar as responsabilidades nesse crime cometido pela PIDE.
Coube a Mário Soares os primeiros passos da afirmação do socialismo democrático em Portugal, nomeadamente como corrente oposicionista ao Estado Novo. Em abril de 1964, ajudou a fundar a Ação Socialista Portuguesa (ASP), a qual viria a ser formalmente admitida à Internacional Socialista em junho de 1972. Foi candidato à Assembleia Nacional nas listas da Oposição Democrática, em 1965, e da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), em 1969.
Assumindo-se como anticolonialista, Mário Soares desenvolveu uma ativa campanha de denúncia da situação política portuguesa, particularmente contra a Guerra Colonial, sofrendo as duras consequências da sua coragem. Por tudo isso, foi preso doze vezes, deportado para São Tomé, em 1968, e obrigado a exilar-se em França, a partir de 1970. No exílio, aproveitou para concluir aquela que veio a ser a sua obra mais emblemática, intitulada Portugal Amordaçado, cuja primeira edição foi publicada em francês, em 1972, e proibida em Portugal.
Durante esse período, contactou com algumas das principais figuras da social-democracia europeia e com vários dirigentes nacionalistas africanos, criando uma rede de contactos internacionais e cimentando uma ideia para Portugal, que divulgou em entrevistas e artigos que fez publicar na imprensa internacional.
Em 1973, na cidade alemã de Bad Munstereifel, fundou o Partido Socialista (PS), por transformação da ASP, sendo eleito Secretário-geral, cargo que ocupou durante quase treze anos.
Mário Soares foi o primeiro exilado político a chegar a Portugal após o derrube da ditadura, a 28 de abril de 1974. Atrás de si, tinha um passado de luta e oposição à ditadura. À sua frente, esperava-lhe um papel determinante na transição e institucionalização da democracia portuguesa.
Como ministro dos Negócios Estrangeiros (1974-75), levou a cabo uma intensa atividade diplomática de reconhecimento internacional da nova realidade política vivida em Portugal e de abertura ao exterior, depois de décadas de isolacionismo, assumindo como principal prioridade o início do processo de descolonização e a independência dos territórios ultramarinos.
Durante o período revolucionário (1974-75), Mário Soares tornou-se o rosto da defesa da democracia. Bateu-se pela instituição de um regime democrático pluralista, representativo e de tipo ocidental, afirmando-se rapidamente como o principal líder civil e o político português com maior notoriedade internacional. Em 1975, foi eleito deputado nas primeiras eleições livres, por sufrágio direto e universal realizada em Portugal, para a Assembleia Constituinte. Lutou contra a unicidade sindical e notabilizou-se na defesa da liberdade de imprensa. Um ano depois, em abril de 1976, votou a Constituição democrática portuguesa. Nesse mesmo ano, foi eleito Vice-Presidente da Internacional Socialista, ocupando o cargo durante dez anos, no âmbito do qual realizou várias missões ao Médio Oriente, à América Latina e à África Austral.
Europeísta convicto, Mário Soares encarou desde sempre a integração de Portugal no projeto europeu como um desígnio nacional e uma condição indispensável para a construção de um país verdadeiramente livre, aberto e moderno. Como Primeiro-Ministro de três governos constitucionais (1976-1977; 1978; 1983-1985), em que são dados passos decisivos na consolidação democrática e na construção do Estado Social, coube a Mário Soares liderar o processo de adesão de Portugal às Comunidades Europeias, iniciado em março de 1977, com a apresentação do pedido formal de adesão à CEE, e encerrado sete anos depois, em junho de 1985, com a assinatura do Tratado de Adesão.
Em março de 1986, tornou-se o primeiro civil eleito por sufrágio universal direto para o cargo de Presidente da República, trazendo consigo um projeto de futuro e de modernidade para o país. Exerceu a Chefia do Estado durante dois mandatos (1986-1996), adotando um estilo novo de presidência: próximo dos cidadãos, atento às realidades das populações e dos seus problemas, percorrendo o país nas suas “presidências abertas” e exercendo a sua “magistratura de influência”. Graças a tudo isso, ficou reconhecido unanimemente como o “presidente de todos os portugueses”.
Após o fim do seu segundo mandato presidencial, Mário Soares continuou a assumir uma ativa intervenção política, social e cultural. Em 1996, assumiu a presidência da Fundação a que dá o nome, reunindo importantes arquivos e coleções no domínio da história contemporânea e realizando um importante trabalho de cooperação internacional. Em Portugal, destacou-se na presidência da Comissão Nacional das Comemorações do 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1998) e da Comissão da Liberdade Religiosa (2007-2011). Em 1999, motivado a participar na reforma do projeto europeu, foi o cabeça de lista do Partido Socialista às eleições europeias, cumprindo um mandato como eurodeputado (1999-2004). Em 2006, concorreu, de novo, à Presidência da República, tendo perdido as eleições.
O seu longo percurso político, quer durante os mais de trinta e dois anos de resistência permanente à ditadura, quer na visão e atuação que demonstrou nos cargos políticos e governativos que desempenhou após o 25 de Abril, tornaram Mário Soares uma voz escutada a nível mundial.
Entre muitas outras funções, desempenhou os cargos de presidente da Comissão Mundial Independente para os Oceanos (1995-1998), do Comité Promotor do Contrato Mundial da Água (1997), do Movimento Europeu (1997-1999), do Comité dos Sábios para a Reestruturação do Conselho da Europa (1997-1998) e, desde 2009, foi Patrono do International Ocean Institute. O seu reconhecimento e prestígio internacional levaram-no a ser nomeado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan em Missão de informação sobre a situação da Argélia, em 1998, e, mais tarde, em 2002, a chefiar a Delegação do Parlamento Europeu para as relações com Israel.
Ao longo da sua vida, recebeu inúmeros prémios, condecorações e doutoramentos honoris causa de todo o mundo.
De forma incansável, nos últimos anos da sua vida, continuou a participar em muitas iniciativas e atividades, revelando uma influência política e cultural ímpares. Frequentemente convidado a intervir em conferências e colóquios internacionais, nunca deixou de escrever, de refletir e debater sobre os grandes temas da atualidade nacional e internacional, assim como de se manifestar publicamente em defesa dos valores em que acreditava.
Morreu em Lisboa, a 7 de janeiro de 2017, aos 92 anos de idade, deixando uma vasta obra publicada sobre Portugal, a Europa e o Mundo, as suas principais figuras, acontecimentos e problemáticas.