Maria Barroso dedicou a sua vida às causas humanas e sociais, exaltando-as tanto política como artisticamente. Figura maior da cultura portuguesa, atriz marcante no teatro e no cinema, foi uma amante da poesia, que declamava de modo inimitável.
Natural da Fuzeta, em Olhão, Maria de Jesus Barroso, nasceu em 2 de maio de 1925, no seio de uma família de democratas e oposicionistas, filha de Maria da Encarnação Simões Barroso, professora primária, e de Alfredo José Barroso. O seu pai, oficial do Exército e ativo conspirador contra a Ditadura Militar, foi demitido, preso e deportado por participar em várias revoltas militares.
Devido à atividade política do pai, Maria Barroso fez a instrução primária entre Lisboa e Setúbal. Durante o ensino secundário, estudou nos liceus Dona Filipa de Lencastre e Pedro Nunes, em Lisboa, findo o qual inscreveu-se no Conservatório Nacional. Revelando grande talento artístico, concluiu o Curso de Arte Dramática, em 1943, com a classificação mais elevada.
Grande declamadora e talentosa atriz, rapidamente se fez notar nos palcos nacionais. Logo em 1943, fez a sua estreia com a peça “Sua Excelência, o Ladrão”, no Teatro Ginásio, seguindo-se outras representações de relevo, como “Madre Alegria”, de Luis Fernández de Sevilla e Rafael Sepúlveda, que lhe valeram elogiosas críticas da imprensa da época.
Seguindo a sua vocação de atriz, integrou a companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro, no Teatro Nacional D. Maria II, onde contracenou com figuras de renome do teatro português, como Palmira Bastos, Maria Matos, Amélia Rey Colaço e Augusto Figueiredo. Subiu à cena em diversas peças, entre as quais “Benilde ou a Virgem Mãe”, de José Régio” e “A Casa de Bernarda Alba”, de Frederico Garcia Lorca, atuação que, em 1948, levou o regime a proibi-la de continuar a representar.
Regressaria ainda ao teatro para interpretar, entre outras, “Antígona”, de Sófocles (Teatro Villaret, 1965). Em 1966, subiu ao palco do Teatro S. Luíz para interpretar o monólogo "A Voz Humana", de Jean Cocteau, logo proibido pelo regime. Foi a última vez que representou no teatro. Desempenhou igualmente vários papéis no cinema, em filmes como “Mudar de Vida”, de Paulo Rocha (1966) ou “Benilde ou a Virgem Mãe”, de Manoel de Oliveira (1975).
Desde muito jovem, Maria Barroso desenvolveu uma intensa atividade contra o Estado Novo, encontrando na sua arte e no seu talento uma forma de luta e resistência contra a ditadura que abominava.
A partir de 1947, fez militantemente recitais de poesia em todo o país, muitas vezes acompanhada do coro de Fernando Lopes Graça, dizendo versos de poetas oposicionistas, nomeadamente do Novo Cancioneiro. Por tudo isso, foi interrogada pela polícia política, sob a acusação de declamar poemas considerados “subversivos”, na sequência de um sarau realizado pelo Grupo de Ação Cultural no Teatro Rosa Damasceno, em Santarém.
Paralelamente ao teatro, Maria Barroso frequentou o curso de Histórico-Filosóficas, na Faculdade de Letras de Lisboa, que concluiu em 1951. Aí conheceu Mário Soares, em 1945. Os dois acabariam por casar em 1949, embora por procuração, uma vez que Mário Soares se encontrava então preso na cadeia do Aljube, tendo como padrinhos Joaquim Barradas de Carvalho, Ruth Arons, Bá e Manuel Mendes, este último também preso. O casal teve dois filhos: João (n. 1949) e Isabel (n. 1951).
O combate pela liberdade e pela democracia levou Maria Barroso a integrar várias estruturas oposicionistas e a participar ativamente em várias campanhas políticas que abalaram o regime. Foi membro da Associação Feminina para a Paz, do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e do MUD Juvenil. Participou nas campanhas dos generais Norton de Matos (1949) e de Humberto Delgado (1958) à Presidência da República, destacando-se em particular nesta última pelo dinamismo que imprimiu na organização da candidatura do “General sem Medo”. Foi também subscritora de importantes documentos de denúncia da situação política portuguesa e de contestação ao Estado Novo.
Pela sua intervenção política na defesa da liberdade da democracia, foi proibida pelo Estado Novo não só de representar, mas também de lecionar, tanto no ensino público como privado. Acabaria por assumir a liderança do Colégio Moderno, onde foi diretora durante largas décadas.
Sempre com um papel destacado na oposição, viria a emergir como uma figura central da resistência à ditadura. Foi candidata a deputada pelas listas da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD) para a Assembleia Nacional, nas eleições de 1969, em representação do círculo de Santarém, e foi a única mulher a intervir na sessão de abertura do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro, em abril de 1973. Destacou-se também por ter sido a única mulher presente no congresso fundador do Partido Socialista (PS), realizado em Bad Münstereifel, na Alemanha.
O fim da ditadura representou uma nova fase na intervenção política e cívica de Maria Barroso. Após o derrube do Estado Novo, a 25 de Abril de 1974, regressou de imediato a Portugal, juntamente com Mário Soares, Manuel Tito de Morais, Francisco Ramos da Costa e Fernando Oneto, no célebre “comboio da liberdade”.
Nos atribulados tempos que se seguiram, participou energicamente na afirmação política do PS e na sua implantação nacional, intervindo em comícios por todo o país e nos vários congressos do partido. Foi candidata à Assembleia Constituinte, em 1975, e eleita deputada à Assembleia da República em várias legislaturas, entre 1976 e 1983, onde se destacou como uma parlamentar combativa. No âmbito das suas funções parlamentares, ocupou o cargo de vice-presidente da Comissão Parlamentar para a Educação, onde teve uma ação relevante na defesa do direito das associações de pais a terem um papel mais interventivo na política educativa.
Moldada nos valores da paz, da solidariedade e da justiça social, Maria Barroso abraçou ao longo da sua vida inúmeras causas de cariz social e humanitário.
Em 1990, ajudou a fundar o Movimento de Emergência de Moçambique e, no ano seguinte, a Associação para o Estudo e Prevenção da Violência. Empenhada na defesa dos mais desfavorecidos, criou, em 1994, a Fundação Pro Dignitate - Fundação para os Direitos Humanos e contra a Violência, distinguindo-se na luta pela prevenção da violência e da exclusão social e como uma voz ativa na defesa dos valores democráticos. Em 1997, assumiu a presidência da Cruz Vermelha Portuguesa, exercendo esse cargo até 2003. Foi ainda sócia-fundadora e Presidente do Conselho de Administração da ONGD e da Fundação Aristides de Sousa Mendes.
Em reconhecimento à sua persistente ação cívica e política, recebeu vários prémios, condecorações e doutoramentos honoris causa, dos quais se destacam os doutoramentos Honoris Causa pela Universidade de Lesley (1994), pela Universidade de Aveiro (1996), pela Universidade de Lisboa (1999) e pela Universidade Lusófona (2012), assim como a condecoração com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade, a 7 de março de 1997. Foi também agraciada com várias condecorações internacionais.
Morreu em Lisboa, a 7 de julho de 2015, aos 90 anos de idade.