Exposição de Longa Duração



Século XX português: Os Caminhos da Democracia - João Soares / Mário Soares

Coordenação científica e textos: Fernando Rosas
Nesta exposição permanente apresenta-se uma visão do Século XX português, sobretudo na sua vertente de história política, nele enquadrando os percursos biográficos de João Soares e de Mário Soares.

Organizada em duas salas, a exposição utiliza fotografias, cartazes e documentos, apoiados por um conjunto de audiovisuais que, com filmes da época, documentam as principais fases dos períodos considerados.

  • filter_dramaA Crise do Sistema Liberal (1890 - 1926)
    A Crise do Sistema Liberal (1890 - 1926)
    1 - Da Monarquia à I República (1890 - 1926)

    As reacções ao Ultimato britânico de Janeiro de 1890 marcam o princípio do fim da monarquia constitucional. A aceitação pelo jovem rei D. Carlos, e pelo seu governo, das exigências britânicas contra as prestações do «Mapa Cor-de-Rosa», levantam pelo país um imenso clamor patriótico de cunho antimonárquico. A crise económica e financeira junta-se à crise política. E a tentativa revolucionária de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, mostra que a tomada do poder está ao alcance do republicanismo. Face ao impasse do rotativismo e dos velhos partidos monárquicos, o rei recorre, em 1907, à ditadura de João Franco.

    A onda republicana que contra ela se levanta, sobretudo entre a plebe urbana de Lisboa, enquadrada pela Carbonária, conduzirá ao Regicídio em Fevereiro de 1908. Depois, levará à revolução republicana na capital, triunfante na manhã de 5 de Outubro de 1910, com escassa resistência de uma Monarquia sem defensores e cuja família real foge para Inglaterra. Das divisões partidárias na jovem República surge um sistema político dominado pelo Partido Democrático de Afonso Costa, mas herdeiro dos vícios, da fraude e do cacicato monárquicos. À crise de legitimidade do regime junta-se a gestão imprudente e radical da questão religiosa que vira o mundo rural contra o anticlericalismo afonsista. Simultaneamente, agudiza-se a agitação social contra uma República repressiva, cedo cortada do mundo operário que ajudara a implantá-la.

    A aventura da intervenção portuguesa na Grande Guerra agravaria todos os problemas. Os seus dramáticos efeitos geram um ambiente de permanente instabilidade, conduzindo ao derrube do governo de Afonso Costa pelo movimento militar de 5 de Dezembro de 1917.

    O curto consulado de Sidónio Pais parecia anunciar as novas ditaduras que assolariam a Europa do pós-guerra. Mas o presidente-rei não conseguiu estabelecer um regime durável. Baseada no carisma do seu chefe, a «República Nova» não sobreviveria ao assassinato de Sidónio em Dezembro de 1918. Das convulsões que lhe seguiram renasce, em Março de 1919, a «Nova República Velha» tutelada pelos novos «bonzos» do Partido Democrático.

    A I República caminhava para o precipício.

    A gravíssima crise económica e financeira do pós-guerra e a radicalização da agitação social, a permanente instabilidade político-militar, tudo contribuiu para a formação de uma tão ampla quanto equívoca fronda contra a chamada «ditadura do Partido Democrático». O seu braço armado será o exército. Depois de várias conspirações e ensaios frustrados, o heteróclito movimento militar sai à rua a 28 de Maio de 1926, triunfando praticamente sem oposição.

    Apesar de muitos dos seus apoiantes o não saberem, não era só a I República
    que caía. Com ela, encerrava-se um século de liberalismo e iniciava-se o ciclo
    de 48 anos de autoritarismo.

  • filter_dramaO Estado Novo nos anos 30 (1926-1940)
    Cedo se começaram a desfazer as ambiguidades do «28 de Maio» com os sucessivos afastamentos de Mendes Cabeçadas e Gomes da Costa e o estabelecimento do governo de Óscar Carmona, em Julho de 1926, à frente da Ditadura Militar.

    Salazar, que tivera uma efémera e precipitada passagem pelo gabinete de Mendes Cabeçadas, verá recompensada a sua campanha em prol do equilíbrio orçamental com a entrada como ministro das Finanças para o governo do general Vicente de Freitas, em Abril de 1928. O sucesso da sua política financeira e, sobretudo, o apoio do novo Presidente da República, Óscar Carmona, permitem-lhe lançar-se dedicadamente na corrida para o poder. Conspirará para afastar da chefia do Ministério os generais republicanos conservadores, Vicente de Freitas e Ivens Ferraz e, em Janeiro de 1930, no governo do general Domingos de Oliveira é já a personalidade liderante. Mas só em Julho de 1932 é formalmente nomeado Presidente do Ministério. Ao longo desse percurso saberá atrair a uma plataforma comum as várias direitas da direita portuguesa. Essa frente viabilizadora do novo regime, o Estado Novo, terá, primeiro, em 1930, uma expressão política no futuro partido único: a União Nacional; depois, em 1933, uma tradução institucional na Constituição plebiscitada em 1933. Mas a transição da Ditadura Militar para o Estado Novo, vai de par com a derrota das sucessivas tentativas revolucionárias republicano-reviralhistas entre 1927 e 1931 - no Porto, em Lisboa, na Madeira, nos Açores, na Guiné- sustentadas do exílio, em França, e depois, na República espanhola.

    À derrota do reviralhismo seguir-se-á a do movimento operário organizado que, em 18 de Janeiro de 1934, se levanta numa desesperada «greve geral revolucionária» contra as leis corporativas que suprimiram a liberdade de associação e expressão sindical. Pelo caminho ficarão milhares de presos e deportados políticos: uma oposição encarcerada e exilada que só no pós-guerra levantará a cabeça.

    É uma ditadura apoiada numa polícia política omnipotente - a PVDE, criada por Salazar em 1933 -, por tribunais militares especiais, por uma rede de prisões políticas - de que o famigerado Campo de Concentração do Tarrafal, criado em 1936, será o símbolo sinistro - e por uma férrea censura prévia à imprensa.

    Beneficiando do vento que sopra sobre as ditaduras de tipo fascista pela Europa, Salazar torna-se o «chefe» incontestado do Estado Novo. Lança-se a organização corporativa das principais actividades económicas e sociais; António Ferro traça a «política do espírito», e inicia-se pela mão de Duarte Pacheco, um ambicioso programa de obras públicas. A política colonial, por seu lado, dá lugar ao renascimento do «Império».

    Em 1936, com a Espanha da Frente Popular em ebulição, Salazar assume, finalmente, com Santos Costa, a pasta da Guerra, reorganizando sob tutela do regime as Forças Armadas e redefinindo a política de defesa em função da «ameaça espanhola».

    Mas será o eclodir da Guerra Civil de Espanha que assistirá a uma nítida crispação fascizante do regime: Carneiro Pacheco reforma a «educação nacional» e criam-se as milícias militarizadas - a Mocidade Portuguesa e a Legião Portuguesa, com as suas paradas e a saudação romana.

    Em 1940, o Estado Novo, no auge do seu poder, celebra a Concordata com a Santa Sé e lança as comemorações do duplo centenário da nacionalidade (1140-1640), tendo como expoente emblemático a Exposição do mundo Português. O regime salazarista surgia como «uma ilha de paz no mundo em guerra».
  • filter_dramaA crise dos anos 40 (1941-1949)
    O governo de Lisboa , logo no início da guerra, fixara-se numa política de neutralidade, estabelecida de acordo com a Inglaterra, que parecia imunizar o país aos efeitos do conflito. Mas a ofensiva alemã a oeste, na Primavera de 1940, levando as tropas nazis até ao Atlântico e aos Pirenéus, acaba com essa ilusão.

    Os efeitos da guerra - a falta de géneros, a inflação, o açambarcamento - passam a ser duramente sentidos a partir de 1941. As campanhas de «produzir e poupar», ou as tardias medidas de racionamento, minadas pela corrupção generalizada da organização corporativa, não logram conter o descontentamento social. Estalam greves com destaque para a região de Lisboa e da margem Sul, no Verão de 1943 e em Maio de 1944. Serão secundadas pela agitação nos meios rurais e marcadas por crescente influência do PCP.

    Beneficiando da viragem pró-aliada da guerra, e do ambiente de descontentamento, as oposições retomam a iniciativa. O PCP, reorganizado, e já sob a direcção de Álvaro Cunhal, consegue agregar todas as forças da oposição no clandestino Movimento de Unidade Antifascista (MUNAF) em fins de 1943. Reacende-se, por parte dos meios republicanos, a conspiração militar, agora a partir das dissidências que minam o regime.

    O fim da guerra, em Maio de 1945, é marcado em todo o país pelas grandes manifestações oposicionistas da Vitória. Sob o pretexto da antecipação das eleições para a Assembleia Nacional, a oposição logra impor a tolerância legal para o Movimento de Unidade Democrática (MUD), criado em Outubro de 1945. A sua acção, e depois a do MUD Juvenil, despertam por todo o país uma enorme onda de mobilização e de esperança. Mas recusa concorrer às eleições de Novembro por ausência de garantias mínimas de seriedade.

    Por seu turno, o regime ajustava-se ao novo curso do conflito, adoptando uma política de «neutralidade colaborante» com os Aliados, a partir de 1943, quando concede facilidades militares nos Açores à Inglaterra. Apesar das manifestações de agradecimento a Salazar, é em ambiente de instabilidade interna e claramente à defesa que este se vê obrigado a significativos recuos - ainda que formais - em Setembro e Outubro de 1945, designadamente antecipando as eleições. O Estado Novo vive-as entre o pânico e a desorientação. Mas, com o apoio do essencial das Forças Armadas, e o respaldo dos aliados anglo-americanos, aguenta-se. Beneficiando dessa caução externa, do ambiente de guerra fria que se instala e do impasse oposicionista, no início de 1947, Salazar recompõe forças, remodela o Governo e a União Nacional, e lança o contra-ataque.

    Entre 1946 e 1948 desarticula o golpe de «10 de Abril» e prende os seus responsáveis civis e militares, demite os professores universitários conotados com a oposição, reprime os derradeiros surtos grevistas em Lisboa e ilegaliza o MUDJ e o MUD, prendendo os seus dirigentes.

    As oposições, crescentemente divididas, conhecem um último sobressalto de mobilização, no início de 1949, em torno da candidatura do general Norton de Matos às eleições presidenciais desse ano, onde defronta o velho marechal Carmona. Mas é um gesto contra a corrente. No rescaldo da desistência do general Norton de Matos, a vaga repressiva que se abate vai remeter o oposicionismo para mais alguns anos de dispersão e recuo. Vencida a crise da guerra, o Estado Novo inaugurava uma nova década de «ordem nas ruas e paz nos espíritos».
  • filter_dramaO terramoto delgadista e a Segunda crise (1950-1958)
    Sob a aparente imutabilidade de um regime que, no auge da Guerra Fria retoma o discurso ultraconservador, a sociedade portuguesa do anos 50 iniciava importantes transformações. A industrialização, a terciarização e a urbanização geravam novas realidades e tensões sem possibilidade de expressão na situação vigente.

    Também o mundo político mudava. No interior do regime reforçava-se, em torno de Marcelo Caetano, o sector reformista, articulado com o novo Presidente da República, Craveiro Lopes, sendo indisfarçável o seu conflito com a corrente ultramontana - donde se destaca Santos Costa - partidária da conservação a todo o transe do regime e do seu chefe.

    No campo anti-situacionista emergia, sob a égide de Cunha Leal e António Sérgio, uma oposição liberal, em pública ruptura com o PCP e os seus aliados do MND, partidária de um entendimento com os seus dissidentes do regime com vista a uma transição controlada. Estratégia a que, sob os ventos da desestalinização, a partir de 1956, o próprio PCP transitoriamente aderirá. E a corrente socialista, em redor de Mário Soares, começa a dar os primeiros passos para se reorganizar.

    Lançada por personalidades de oposição conservadora, a «candidatura independente» do general Humberto Delgado às eleições presidenciais de 1958 fará despoletar as tensões silenciosamente acumuladas. O carisma de Delgado - um general saído das fileiras do regime -, a sua coragem, o seu «obviamente demito-o!» lançado contra Salazar, incendeiam o país de norte a sul num movimento de protesto sem precedentes, levando a candidatura de Arlindo Vicente, apoiada pelo PCP, a desistir em seu favor. Delgado seria vencido nas urnas por manifesta fraude eleitoral. Os protestos populares e a agitação política, no entanto, vão prolongar-se não só por esse ano, mas, qual onda de choque, pelos seguintes.

    A «Carta do Bispo do Porto», logo após o acto eleitoral, constituirá o sinal para a ruptura histórica de parte do catolicismo com o Estado Novo.

    O ano de 1961 será o ano de todas as crises dessa segunda crise histórica do regime. Iniciado com o desvio do paquete Santa Maria por Henrique Galvão e seus apoiantes, segue-se-lhe o assalto às cadeias de Luanda por nacionalistas angolanos, em Fevereiro, e a explosão de violência no Norte de Angola em Março, que marca o início da guerra colonial. O seu efeito directo será a «Abrilada», a tentativa gorada de golpe militar liderada pelo ministro da Defesa, Júlio Botelho Moniz, com apoio dos altos comandos. Em Dezembro, a União Indiana ocupa os territórios de Goa, Damão e Diu. O ano termina com a tentativa revolucionária de assalto ao quartel de Beja.
  • filter_dramaÀ espera do fim (1958-1968)
    Membro fundador da NATO, o Portugal de Salazar vive nos anos 50, em plena Guerra Fria, um período de franca aceitação por parte dos países ocidentais e não só. Era uma paz ilusória: os ventos da descolonização varriam os impérios europeus desde o fim da guerra. Logo após a independência, a União Indiana, inicialmente através de meios diplomáticos ou das manifestações pacíficas dos «satiagrai», exige a integração dos territórios de Goa, Damão e Diu na União. Arrasta-se a contenda diplomática, com incidentes vários no terreno, até passar pelo Tribunal Internacional da Haia.

    Entretanto, a entrada de Portugal na ONU, em 1956, vai colocar a questão da descolonização dos restantes domínios coloniais portugueses, sobretudo em África. Optando por uma postura rigidamente integrista, o Governo português transforma semanticamente as «colónias» em «províncias ultramarinas» e o «Império» em «Ultramar». Salazar, ao invés das demais potências coloniais, pensa poder contrair os «ventos da mudança» que chegavam a África. Mas, em Dezembro de 1960, culminando um longo processo de pressões, a Assembleia Geral das Nações Unidas declara os territórios sob a administração portuguesa como colónias, reconhecendo-lhes o direito à autodeterminação.

    Em Março de 1961, com o apoio da nova Administração Kennedy nos EUA, a UPA desencadeia a guerra colonial no Norte de Angola.

    Como que anunciando o princípio do fim do Império, a União Indiana, em Dezembro de 1961, ocupa militarmente Goa, Damão e Diu. Progressivamente, a guerra colonial, retomada em Angola pelo MPLA e mais tarde pela UNITA, generaliza-se à Guiné (1963) e a Moçambique (1964). Após o rápido abandono de um tímido ensaio inicial de reformismo descentralizador, o conflito prossegue interminável, sem solução militar possível, sacrificando dezenas de milhar de jovens mobilizados e uma fatia sempre crescente da despesa pública.

    Este impasse, esta lenta agonia de um regime falho de coesão e de convicção, cujo chefe, envelhecido, vai perdendo faculdades, reflecte-se num endurecimento geral da situação interna que, aliás, corre de par com o crescente isolamento internacional.

    A crise académica de 1962, que se estende de Março a Junho, marca o surgimento do movimento estudantil como um dos mais aguerridos sectores de combate ao regime. E as manifestações populares de 1 e 8 de Maio em vários pontos do país, seguidas das lutas no Alentejo pelas oito horas de trabalho, assinalam o fim dessa onda de contestação. É certo que o regime lhe sobrevive. Mas não se recompõe. Ferido de morte, o salazarismo iniciava a sua lenta agonia final.

    O ano de 1965 é o espelho desses «anos de chumbo», com a violenta repressão antiestudantil, o encerramento da Sociedade Portuguesa de Escritores e, sobretudo, com o assassinato pela PIDE do general Humberto Delgado, em Espanha. Mário Soares, que se tornara líder da Acção Socialista Portuguesa, fundada em 1964, é constituído como advogado da família Delgado. Pagará essa ousadia com a deportação para S. Tomé, sem processo, nem julgamento, em Março de 1968.

    Mas a longa espera em que nesses anos parecia viver a sociedade portuguesa, chega ao fim com o acidente - «a queda da cadeira» - que, no Verão de 1968 originará a incapacidade física do velho ditador para continuar a governar. Goradas as esperanças do sector ultramontano na sua recuperação, e após uma breve e surda luta de bastidores pela sucessão, o presidente da República, em Setembro de 1968, vê-se forçado a uma decisão: Marcelo Caetano e os reformistas chegavam finalmente ao poder. Só que irremediavelmente tarde.
  • filter_dramaMarcelismo - a crise final (1968-1974)
    A «renovação na continuidade» anunciada por Marcelo Caetano, começou por suscitar, num país ansioso por mudanças, uma expectativa francamente benévola. Aliás reforçada por várias iniciativas reveladoras de um outro estilo: Mário Soares e o bispo do Porto regressam do exílio; há um abrandamento inicial da censura; começam as «conversas em família»; renova-se a direcção da União Nacional (rebaptizada como Acção Nacional Popular em 1970); aprovam-se medidas de descompressão no campo sindical; prometem-se eleições transparentes para 1969; permite-se às oposições reunir o II Congresso Republicano de Aveiro.

    O marcelismo beneficiava do apoio dos jovens da «ala liberal» - Sá Carneiro, Pinto Leite, Pinto Balsemão - e de outros tecnocratas que aceitarão integrar as suas listas para as eleições ou o novo Ministério que lhes suceder.

    Aliás, esta expectativa de abertura não deixará de ser partilhada no campo oposicionista, onde se resolve ir às urnas nas eleições.

    Em Lisboa, Porto e Braga concorrem listas separadas: de um lado a CEUD, afecta à ASP e a um campo socialista à procura do seu próprio espaço de influência, do outro a CDE, frente do PCP com católicos progressistas e outros sectores de esquerda. Mas não será só, nem principalmente, a persistência das irregularidades básicas e dos abusos policiais com que se fabricou a vitória eleitoral caetanista que vai obscurecer a abertura inicial. O nó górdio da questão persistia - era a guerra colonial.

    A política de «autonomia progressiva» advogada por Caetano implicava prolongar a guerra sem solução à vista. E ele não pôde, nem soube ou não quis encarar, a tempo, uma saída política para o conflito - o que haveria de pôr fim aos ensaios de liberalização e ao próprio regime.

    A revisão constitucional frustrada de 1970-71, a reeleição de Américo Tomás - o chefe de fila dos «ultras» - para a Presidência da República, a anulação política e consequente abandono da «ala liberal» da Assembleia, a revogação da tímida abertura sindical anterior e o novo arreganho repressivo de uma DGS (que relativamente à PIDE só mudara o nome) - serão o canto do cisne do marcelismo. Mário Soares é novamente empurrado para o exílio. Inspirados no clima internacional de radicalização política e precedidos por uma vigorosa explosão da luta estudantil, em Coimbra e em Lisboa, em 1969, multiplicam-se as organizações de extrema-esquerda. Desenvolvem-se um activo combate à guerra colonial e ao regime secundados por grupos de militantes católicos.

    Desencadeiam-se, a partir de 1970, acções de sabotagem contra alvos militares ou da NATO. Alarga-se e organiza-se a agitação sindical com greves e manifestações.

    Fundado no exterior em 1973, o PS estabelece com o PCP um acordo de luta contra o regime. Nesse ano, o III Congresso da Oposição em Aveiro - aliás, atacado pela polícia de choque - lança-se numa aberta denúncia do regime e da guerra: a oposição resolve boicotar o simulacro eleitoral desse ano. A inviabilidade de uma solução política para a questão colonial suscita, também, reacções em certos sectores das chefias militares e sobretudo nos agitados meios dos oficiais intermédios - dos capitães - que suportavam no terreno o peso principal da luta antiguerrilha.

    Spínola vê Caetano inviabilizar a busca de um acordo com o PAIGC, por ele ensaiado enquanto governador da Guiné. Apoiado pelo CEMGFA, general Costa Gomes, Spínola publica, em fins de 1973, o livro Portugal e o Futuro, onde se defende uma solução federalista contrária à política oficial. A importância do livro será a de dar ao Movimento dos Capitães, até aí movendo-se por razões corporativas, o sinal de que ele tinha cobertura e legitimidade para passar à conspiração política.

    A 14 de Março de 1974, o Governo respondia à desafiadora ausência de Costa Gomes e de Spínola ao juramento de fidelidade dos generais da «brigada do reumático», demitindo-os.

    Dois dias depois dava-se a saída em falso das Caldas da Rainha, ens
  • filter_dramaA Revolução e os seus destinos (1974-1976)
    Foi profundo o abalo provocado pelo movimento militar do «25 de Abril» na sociedade portuguesa. Derrubado o regime marcelista, conquistadas as liberdades, assiste-se à pulverização da autoridade do Estado, fraccionado por diversos centros de poder militar ou por ele tutelado; paralisou-se o exército colonial, cujos oficiais intermédios e soldados recusam continuar a guerra; despoletou-se uma enorme explosão social de reivindicações, greves e lutas populares e abre-se um processo de intensa luta político-militar em torno do modelo de sociedade alternativo.

    O período que vai de inícios de Maio a 28 de Setembro de 1974, será o da derrota da corrente político-militar chefiada pelo Presidente da República, general Spínola, partidário de uma transição «musculada» para a democracia e de soluções referendárias e graduais para a descolonização. Goradas as tentativas de reforçar os poderes presidenciais, obrigado a aceitar a lei da descolonização de Julho de 1974, e fracassado o apelo do «28 de Setembro» à «maioria silenciosa», Spínola demite-se da Presidência, sendo substituído no cargo pelo general Costa Gomes.

    Abre-se uma nova fase do processo revolucionário, onde as polémicas em torno do programa económico e social e, sobretudo, da unicidade sindical, permitem divisar dois campos fundamentais: em pleno ascenso, o da «aliança povo-MFA», inspirado pelo PCP, que, através da institucionalização do MFA como «vanguarda», aposta numa «via militar-revolucionária» de controlo do poder e de estabelecimento de um regime socialista de modelo soviético; e o dos defensores do advento de um regime democrático e pluralista, através da realização das eleições para a Assembleia Constituinte - campo onde cedo se destaca o PS.

    O crescente clima de tensão desemboca, a 11 de Março de 1975, numa confusa e fruste tentativa de golpe militar por parte de Spínola e seus apoiantes.

    Esta nova derrota dos spinolistas origina um verdadeiro contragolpe do sector político-militar afecto ao PCP: cria-se, como órgão dirigente do processo, o Conselho da Revolução; aprovam-se os decretos das nacionalizações; impõe-se, para que possam realizar as eleições para a Constituinte, o Pacto MFA-Partidos, que sujeita à tutela militar o futuro sistema político.

    Contra esta corrente, a 25 de Abril de 1975, o PS obtém uma clara vitória nas primeiras eleições livres em Portugal, para a Assembleia Constituinte. E com isso tornou-se no principal alvo da ofensiva «gonçalvista».

    O jornal República, afecto ao PS, é ocupado por elementos radicais, o mesmo acontecendo, dias depois, com a Rádio Renascença, da Igreja Católica. Mário Soares é impedido de aceder à tribuna do comício do 1.º de Maio em Lisboa.

    O PS abandona o Governo Provisório - seguido pelo PSD - e sai então, abertamente, para a rua em grandes manifestações contra a tentativa de anular o veredicto das urnas. Crescentemente isolado, o sector gonçalvista sofre agora contestação no interior do MFA. Quer da parte do sector militar democrático, agrupado em torno do Grupo dos Nove, quer de sectores de esquerda radical, escudados no COPCON e na figura de Otelo Saraiva de Carvalho.

    A viragem começa a operar-se na Assembleia do MFA, em Tancos, a 5 de Setembro: Vasco Gonçalves, reinvestido por Costa Gomes, em Maio, como chefe de um efémero V Governo Provisório, é afastado do cargo. Os gonçalvistas perdem a maioria no Concelho da Revolução e constitui-se o VI Governo Provisório sob a chefia de Pinheiro Azevedo, onde regressam o PS e o PSD.

    É a altura PCP se aproveitar da contestação da maioria da esquerda radical ao VI Governo, numa verdadeira escalada de agitação: 12 de Novembro, uma manifestação dos trabalhadores da construção civil cerca o Palácio de S. Bento e sequestra durante quase 24 horas os deputados constituintes.

    O VI Governo decide suspender funções e o PS sai à rua, em todo o país, criticando a indecisão do Presidente da República.

    É num clima de pré-guerra civil, em que se entrecruzam acusações de golpe militar iminente que, a 25 de Novembro de 1975, os pára-quedistas e tropas afecta ao COPCON ocupam várias bases da Força Aérea e pontos nevrálgicos de Lisboa. Mas a resposta do sector operacional afecto ao Grupo dos Nove estava preparada. Com o apoio de Costa Gomes - que garante o recuo dos sectores civis e militares afectos ao PCP e decreta o estado de sítio -, os comandos da Amadora e outras forças fiéis, chefiadas por Ramalho Eanes, neutralizam a tentativa golpista.

    Tendo-se impedido que o s
  • filter_dramaA institucionalização da democracia (1976-1985)
    Após o «25 de Novembro» de 1975, normaliza-se o processo de institucionalização do regime democrático, iniciado com o II Pacto MFA-Partidos.

    A 2 de Abril de 1976 é aprovada a nova Constituição da democracia e as primeiras eleições legislativas realizam-se a 25 de Abril desse ano. Vencedor, sem maioria absoluta, no acto eleitoral, cabe ao PS, através de Mário Soares, constituir o I Governo Constitucional.

    Arranca o longo processo de adesão de Portugal à CEE, então solicitado, e encara-se a preocupante situação económica e financeira do país. Desde logo, Mário Soares procura um acordo entre partidos e parceiros sociais para lhe fazer face. A sua inviabilidade conduz, a 7 de Dezembro de 1977, à rejeição da moção de confiança apresentada pelo Governo e à sua queda.

    O Presidente da República volta a encarregar Mário Soares de constituir o II Governo Constitucional, desta feita, apoiado num «acordo de incidência parlamentar» com o CDS. Estabelece-se a primeira carta de intervenções» com o FMI. Mas os «centristas» não resistem às críticas das oposições ao Executivo e abandonam a coligação em Julho de 1979. Eanes exonera Mário Soares da chefia do Governo e vive-se, até fins de 1980, a experiência de três governos de iniciativa presidencial.

    Nas eleições intercalares de Dezembro desse ano, a AD (coligação PSD, CDS, PPM) obtém a maioria absoluta e Sá Carneiro é nomeado primeiro-ministro, sendo substituído no cargo, após a sua morte, por Pinto Balsemão. O agravamento da crise do país reflecte-se no próprio PSD, levando à demissão de Balsemão e à convocação de eleições intercalares para Abril de 1982. O PS volta a vencer e Mário Soares regressa ao cargo de primeiro-ministro, no quadro de uma gravíssima situação financeira e do impasse do processo de adesão de Portugal à CEE. O «plano de emergência assente num consenso nacional» pretendido pelo PS passaria por um acordo com o PSD - o «Bloco Central»- que dá lugar ao IX Governo Constitucional. Com base num novo acordo com o FMI aplica-se um duro «plano de austeridade», ao mesmo tempo que se lança uma ofensiva diplomática para desbloquear o processo de adesão às Comunidades. Ao cabo de complexas negociações, a 12 de Junho de 1985, o primeiro-ministro Mário Soares e o Governo português assinam solenemente o Tratado de Adesão à CEE.

    Mas o programa da estabilização tivera pesados custos sociais e gerara descontentamentos, o que se reflecte em nova crise interna do PSD. Mota Pinto abandona a liderança a favor de Rui Machete. E em Junho de 1985, o novo presidente do PSD, Cavaco Silva, informou Mário Soares da decisão de abandonar a coligação e provocar eleições gerais antecipadas. No dia seguinte à cerimónia de adesão à CEE, Mário Soares abandona o cargo de primeiro-
  • filter_dramaA Presidência da República (1985-1996)

    1 de Janeiro de 1986:

    Portugal passa a fazer formalmente parte das Comunidades
    Europeias.



    26 de Janeiro de 1986:

    Realiza-se a primeira volta das eleições presidenciais. Os dois candidatos
    mais votados, Freitas do Amaral e Mário Soares, passam à segunda
    volta.



    16 de Fevereiro de 1986:

    Segunda volta das eleições presidenciais. Mário Soares é eleito Presidente da
    República.



    9 de Março de 1986:

    Investidura de Mário Soares como Presidente da República.



    3 de Abril de 1987:

    A aprovação de uma moção de censura, da iniciativa do PRD, na Assembleia da
    República, leva ao derrube do X Governo Constitucional.



    19 de Julho de 1987:

    Eleições legislativas. O PSD obtém maioria absoluta.



    17 de Agosto de 1987:

    Toma posse o XI Governo Constitucional, chefiado por Aníbal Cavaco
    Silva.



    13 de Janeiro de 1991:

    Eleições presidenciais: Mário Soares é reeleito Presidente da
    República.



    9 de Março de 1991:

    Mário Soares toma posse do 2º mandato como Presidente da
    República.



    31 de Outubro de 1991:

    Toma posse o XII Governo Constitucional, chefiado por Aníbal Cavaco
    Silva.



    1 de Janeiro de 1992:

    Início da Presidência Portuguesa da Comunidade Europeia.



    1 de Outubro de 1995:

    Eleições legislativas: o PS obtém a maioria.



    28 de Outubro de 1995:

    Toma posse o XIII Governo Constitucional,

    chefiado por António Guterres.



    9 de Março de 1996:

    Investidura de Jorge Sampaio como Presidente da República.



    Audiovisuais:




    • Da queda da Monarquia ao 28 de Maio (1890 - 1926) -
      Secção 1

    • O Estado Novo nos Anos 30 (1926 - 1940) - Secção 2

    • Os Anos 40 e a Primeira Crise do Regime (1941 - 1949) -
      Secção 3

    • O Terramoto Delgadista e a Segunda Crise do Regime (1950 -
      1962) - Secção 4

    • À Espera do Fim (1962 - 1968) - Secção 5

    • Marcelismo: a Crise Final (1968 - 1974) - Secção 6

    • O Vinte e Cinco de Abril - Video Wall

    • O Período Revolucionário (1974 - 1976) - Secção 7

    • A Institucionalização da Democracia (1976 - 1985) - Secção
      8

    • A Presidência da República (1986 - 1996) - Secção 9




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